SERVIDOR PÚBLICO CONDENADO POR CRIME FUNCIONAL... MAS SEM A PERDA DO CARGO Autor(es): Claudio Rozza; Franco Valenzuela de Figueiredo Neves Sinhori; Sílvia Carolina Rozza Krug

O Servidor Público condenado a pena privativa de liberdade por prática de crime funcional mediante sentença sem a expressa determinação da perda do cargo, uma vez transitada em julgado, estaria também, em consequência, sumariamente demitido? Ou não?
Ao servidor público, cabe a tríplice responsabilização: civil, criminal e administrativa, consoante o Estatuto do Servidor Público Federal (Lei 8.112, art. 121 e seguintes), que, independentemente apuradas, podem cumular-se, sem que se cogite bis in idem.
Quando ocorre a concomitância de responsabilização administrativa e criminal, há intersecção na apuração própria da Administração em processo disciplinar e, também, por processo penal. Assim é nos casos em que o ato infracional administrativo apontado seja equivalente à tipificação penal, como por exemplo o previsto “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”, com tal abrangência de caráter geral que abriga sob seu manto corrupção, concussão e outros crimes contra a administração pública (Lei 8112/90, art. 117, IX).
O Código Civil expressa que não se pode mais discutir sobre fato e autoria, quando decididos criminalmente:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Admitidos fato e autoria em função da decisão criminal, no espaço jurídico próprio do Direito Civil, em decorrência do liame entre dano e causa, graduar-se-á a responsabilidade civil, e, patrimonialmente, o quantum debeatur.
A responsabilidade administrativa, que se apura mediante Processo Administrativo Disciplinar, pode ocasionar a expulsão do servidor público de sua fonte de manutenção da vida, própria e de familiares. Daí, o rigor na apuração da responsabilidade funcional, com que deve ser conduzido em respeito aos mais fundamentais princípios constitucionais derivados da dignidade da pessoa humana. O devido processo legal é direito inalienável de qualquer pessoa, acusados em geral, litigantes em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV, CF).
À responsabilidade criminal, agregam-se efeitos, além de pena privativa de liberdade, ou alternativas, conforme se lê no Código Penal.
Art. 92 São também efeitos da condenação:
I – perda de cargo, função pública ou mandado eletivo:

  1. Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação dever para com a Administração Pública;
  2. Quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos...

Observe-se a dicção do parágrafo único:
Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Deste modo, poderá haver condenação de Servidor Público a pena privativa de liberdade, com ou sem efeito da perda do cargo, dependendo de os efeitos serem ou não declarados em sentença.
Se houvesse na condenação criminal a agregação do motivado efeito da perda do cargo (art. 92 CP), a Administração, a princípio, para excluir o servidor de seu quadro funcional, emitiria um ato de execução da sentença, sem instauração de processo administrativo.
No caso de não exposição em sentença dos efeitos do art. 92, CP, seria necessária a instauração de Processo Administrativo Disciplinar e eventual sanção administrativa seria resultante do processo disciplinar, independentemente da decisão criminal.
No âmbito criminal explicitam-se, na multifásica aplicação da pena, circunstâncias judiciais, agravantes, atenuantes, visando a tutela do bem coletivo. Cada processo em defesa de um específico bem jurídico a tutelar. Tendo por foco a tutela da boa ordem do serviço público, tais ponderações também são analisadas no âmbito do Processo Disciplinar, consoante expresso na Lei 8112/90.
Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Tendo em vista a gravidade da infringência, o artigo 132, da Lei 8112/90, explicita os casos em que se aplicará a pena de demissão. Todavia, tal artigo não pode ser lido desconsiderando-se a necessária individualização prevista no art. 128 da mesma lei.
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a Administração Pública.
Pela individualização motivada da sanção, em filtragem constitucional, o artigo 132 (Lei 8112/90) não trata de taxatividade de penalização, mas sim de limite máximo. Ainda que se trate de infringência disciplinar correlata a crimes contra a Administração Pública, a demissão não é a única e inexorável rota pré-determinada pela condenação criminal.
Pelo devido Processo Administrativo Disciplinar, legal e constitucionalmente filtrado, a análise de conduta típica, antijurídica e culpável, na perspectiva funcional, aquilata o grau de responsabilidade reprovável auferida nas circunstâncias do “fato concreto” e autoria delimitada.
Ainda que a demissão seja uma consequência potencialmente elencada, podem no seu lugar, serem aplicadas outras sanções previstas no Estatuto do Servidor considerando-se o grau de reprovação da conduta, tendo em vista o bem jurídico que se quer preservar na excelência da execução do serviço público funcional, numa sociedade mutante, de risco, de decisões a serem tomadas em instantes pelo Servidor Público no cipoal de uma legislação extensa e não raramente contraditória.
Por sua independência, o Processo Administrativo Disciplinar pode ser instaurado e concluído com sanção administrativa, inclusive a de demissão, antecedente ao próprio processo penal. A demissão já aplicada só será revertida de modo direto se do processo criminal, concluído posteriormente, decorrer a absolvição por inexistência do fato ou negativa de autoria.
Para reverter a penalização administrativa, quando da sentença privativa de liberdade constar o efeito da perda do cargo, justamente por ser aplicada em decorrência do processo penal, seria necessária, a princípio, a Revisão Criminal. Se desta Revisão Criminal resultasse absolvição por inexistência de fato ou negativa de autoria, a direta consequência seria cancelamento da sanção demissória. Se a absolvição fosse alcançada pelos outros motivos expressos no art. 386, CPP, para a maioria da jurisprudência, e poucas vozes dissonantes da doutrina, a tendência atual ainda é pela permanência da validade da sanção demissória. No entanto, haveria fundamento para solicitação de  Revisão Administrativa,
Se a demissão for proveniente de processo administrativo disciplinar reconhecido como inválido, administrativa ou judicialmente, nula será a sanção, mesmo que instaurado posteriormente à sentença criminal transitada em julgado, mas sem a perda do cargo nela declarada, consoante o art. 92-CP.
Para que se evitem nulidades, longe de ser instrumento de arbítrio, expressão da truculência de autoridades e facções contrárias que se renovam no poder, deve o Processo Administrativo Disciplinar, por sua importância e dignidade constitucional (art. 5º, LV; art. 41, § 1º, II), e suas consequências principalmente no controle da Administração Pública, e também de outras esferas no âmbito administrativo privado, ser depurado, prestigiado, discutido, estudado, em Colégios, no Serviço Público, em Tribunais de Ética, Associações, Corregedorias, para seja o reflexo de um Estado que se quer constitucionalmente conceituar como democrático de direito.

CLAUDIO ROZZA, Bacharel em Direito, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Ciências Econômicas, Especialização em Contabilidade Gerencial, Auditoria e Controladoria e em Direito Constitucional, ex-professor e ex-auditor fiscal; Livros publicados: Processo Administrativo Disciplinar & Ampla Defesa; Processo Administrativo Disciplinar & Comissões sob Encomenda. Advogado em Curitiba, Sócio da “Sinhori, Rozza & Krug Advogados Associados”, srk@srk.adv.br.

FRANCO VALENZUELA DE FIGUEIREDO NEVES SINHORI, Bacharel e m Direito, Diplomado em Engenharia Industrial Eletrônica e de Telecomunicações, Advogado em Curitiba, Sócio da “Sinhori, Rozza & Krug Advogados Associados”, srk@srk.adv.br.

SÍLVIA CAROLINA ROZZA KRUG, Bacharel em Direito, Licenciada em Educação Física, Especialização em Fisiologia do Exercício, Advogada em Curitiba, Sócia da “Sinhori, Rozza & Krug Advogados Associados”, srk@srk.adv.br.

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