Reunião de condomínio: rateio de despesas comuns pela fração ideal da loja térrea? Autor(es): Claudio Rozza

Trata-se de explicitar e fundamentar juridicamente a distinção de rateio de despesas condominiais de edifício residencial para loja térrea independente com acesso direto à via pública.

Por princípio, o documento básico, que “faz lei entre as partes” é a convenção estabelecida pelos condôminos na decisão das repartições das despesas comuns, segundo determinam a Lei 4591/1964 e o Código Civil/2002.

Em geral, as contribuições dos condôminos são proporcionais às frações ideais das despesas necessárias à conservação e funcionamento do edifício.

            Em decorrência da previsão da Lei 4591, em seu art. 12, muitas das convenções acabam por determinar a participação dependendo da fração ideal sobre todas as despesas condominiais.

Algumas decisões de tribunais acabaram por validar o pensamento contratualista de que, sendo disponível o interesse em tela, ainda que não participante dos benefícios relacionados às despesas condominiais, o rateio deveria seguir a proporcionalidade com a fração ideal.

Os julgados, no entanto, caminharam para a compreensão do artigo não isoladamente, mas de modo lógico e coerente com os demais ditames constitucionais e legais, principalmente pela publicação do Código Civil, em 2002, que incorporou no seu texto várias determinações contidas anteriormente em outras leis esparsas.

Deste modo, ainda que a convenção estabeleça procedimentos, tais procedimentos não podem contrariar o contexto geral da legislação, como o Código Civil, que determina os princípios e rege como os contratos e as convenções devem ser elaboradas.

Em julgamento do Recurso Especial 1.652.595-PR, que tratou da temática a propósito da convenção, apresentaram-se doutrinas de vários juristas, cujos textos explicam o passo à frente que foi dado na correta interpretação da divisão de gastos, principalmente quando há uma loja, distinta dos demais apartamentos que formam o condomínio, com caraterísticas específicas, saída exclusiva e não utilização de vários benefícios que somente são usufruídos pelas unidades familiares (Recurso Especial 1.652.595-PR, julgamento pela 3ª Turma-STJ, em 5 dez 2017):

“Seu fundamento contratualista, outrora admitido, hoje perdeu terreno, porque sua força coercitiva ultrapassa as pessoas que assinaram o instrumento de sua constituição, para abraçar qualquer indivíduo que, por ingressar no agrupamento ou penetrar na esfera jurídica de irradiação das normas particulares, recebe os seus efeitos em caráter permanente ou temporário” (de Caio Mário da Silva Pereira. Condomínio e incorporações. Forense. 6 ed. 199, p. 129-130).

Assim, conclui também João Batista Lopes, citando José Roberto Neves Amorim:

“Deve, pois, a convenção condominial estar em sintonia com a lei, porque, apesar da autonomia dos condomínios em auto regulamentar suas condutas (interna corporis) não mais poderão perder de vista as leis editadas pelo poder público, cuja obediência se impõe pelo princípio da supremacia da ordem pública sobre as deliberações privadas (Condomínio. RT, 10 ed, p. 95).

            Atentando-se para o art. 1340, do Código Civil, equilibra-se a interpretação à lógica e à disposição de evitar-se o enriquecimento dos que usam sobre os que não se utilizam de equipamentos, benefícios, serviços e mão de obra que só àqueles atendem.

            Veja-se no Código Civil Comentado, em doutrina também observada no mesmo julgamento, a explicação didática:

“O artigo em exame não tinha correspondente no CC/1916 nem da Lei 4.591/64. Positiva o entendimento sedimentado dos tribunais sobre a matéria, com base na teoria que veda o enriquecimento sem causa.

São as despesas do condomínio provenientes da manutenção ou melhoramentos das partes comuns do edifício, uma vez que cada condômino arca com as despesas oriundas da própria unidade autônoma. Ocorre, porém, que certas partes, embora de natureza comum, servem ao uso exclusivo de um ou alguns condôminos. Em tal caso, as despesas dessas partes, em última análise, revertem somente em proveito de um ou de uma classe de condôminos, não sendo razoável que o rateio seja feito entre todos.

Tome-se como exemplos os casos de edifícios mistos, com lojas no pavimento térreo e apartamentos ou escritórios nos andares superiores. O condômino titular da loja, que via de regra, face a sua área privativa, tem grande participação na fração ideal de terreno, não participa do rateio de despesas relativas à manutenção ou reforma de elevadores ou de manutenção das escadas internas do prédio. Isso porque, embora áreas comuns, sua utilização ou serviços não têm qualquer potencial utilidade para os lojistas.

...

O que visa o preceito é evitar o enriquecimento sem causa, hoje positivado como cláusula geral no art. 884 do CC, do condômino ou grupo de condôminos em proveito dos quais reverte o proveito exclusivo de certas despesas, pagas, porém pela totalidade dos comunheiros.

A regra do art. 1340 é cogente, de modo que prevalece sobre disposição convencional, ou de decisão de assembleia. Constitui exceção à regra do rateio de despesas prevista no art. 1.336, I ... (Código Civil Comentado. Ed. Manole, 8 ed. P. 1271-2).

            No Recurso Especial acima citado, o acórdão foi lavrado pelo Ministro Moura Ribeiro, com a seguinte ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. CONDOMÍNIO. LOJA TÉRREA COM ENTRADA INDEPENDENTE. CRITÉRIO DE RATEIO. CONTRIBUIÇÃO DO CONDÔMINO APENAS NAQUILO QUE EFETIVAMENTE FOR PARTÍCIPE NA DESPESA E NA PROPORÇÃO DAS FRAÇÕES IDEAIS. DOUTRINA. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1....

2.A natureza estatutária da convenção de condomínio autoriza a imediata aplicação do regime jurídico previso no novo Código Civil (Resp 722904/RS, Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 1.7.2005).

3.A convenção condominial deve estar em sintonia com a lei porque apesar da autonomia dos condôminos em autorregulamentar suas condutas, jamais poderão perder de vista a lei, cuja obediência se impõe pelo princípio da supremacia da ordem pública sobre as deliberações privadas.

4.A regra estabelecida no art. 1340 do novo Código Civil atende ao princípio da equidade, evitando o enriquecimento indevido dos condôminos que se utilizam de serviços ou de partes comuns a diversos deles, em detrimento daqueles que não utilizam os referidos serviços e equipamentos comuns.

5.Na espécie, o condômino somente pode suportar, na proporção de sua participação no condomínio, as despesas de conservação das coisas de cuja utilização efetivamente participe.

6.Onde não houver o gozo e/ou o uso da coisa comum, não existe obrigação de suportar os respectivos dispêndios.

            Veja-se, dentre outros, como exemplo, o Processo 381492-2, 9ª Câmara Civil, TJPR, em julgamento de 9 de março de 2007, da lavra do Relator Eugênio A. Grandinetti, quando seu voto se manifesta exatamente sobre o excesso de cobrança de encargos:

“...corroborando este entendimento, ensinam os dois autores citados anteriormente, J. Nascimento franco e Nisske Gondo, à p. 101, que:

“...se um condomínio não tem, em razão do tipo ou localização de sua unidade, ensejo de utilizar-se de um serviço ou coisa de propriedade comum, a ele não deve ser atribuído, na Convenção, encargo algum nas respectivas despesas, uma vez que, no condomínio em edifícios – ensina Salvat- conjugam-se três elementos, ou seja: a propriedade comum, uso ou gozo e encargos. Logo, onde não existe o uso ou gozo da coisa ou bem comum não há obrigação de suportar as correspondentes despesas de manutenção”;

E continuando, a título de exemplo, os autores citam um caso similar com o ora em análise:

“...lembre-se o caso do proprietário de loja, com acesso direto à via pública, sem necessidade de utilizar-se do elevador, do abastecimento de água, luz e força do edifício, da antena coletiva de televisão. Não usufruindo tais serviços comuns, a ele não cabe contribuir para sua manutenção”.

Nesse sentido os julgados:

“Condomínio. Loja térrea. Despesas. Do rateio das despesas de condomínio não se pode resultar deva arcar o condômino com aquelas que se refiram a serviços ou utilidades que, em virtude da própria configuração do edifício, não têm, para ele qualquer préstimo (STJ, REsp 162672/PR; REsp 1998/0011680-0: Re. Min. Eduardo Ribeiro; 3ª T; DJ 7.2.2000, P. 154).

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXA DE CONDOMÍNIO DE LOJA TÉRREA EXCLUÍDA EXPRESSAMENTE DA RESPONSABILIDADE. INADMISSIBILIDADE. IMÓVEL COMERCIAL INDEPENDENTE DO PRÉDIO RESIDENCIAL HONORÁRIOS DE ADVOGADO ARBITRADOS E VALOR INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. APELAÇÃO DESPROVIDA E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Loja térrea, que constitui unidade autônoma do condomínio, expressamente isentada de taxas na matricula aquisitiva, e que não se utiliza dos serviços condominiais, nem de acessos comuns, não está obrigada ao respectivo pagamento. Descaracterização da cláusula “propter rem”. 2. Honorários de advogado sucumbenciais arbitrados em valor inferior ao mínimo legal. Inteligência do §3º do art 20 do CPC (Extinto TAPR, AP Civ 236.116-0; Rel Juiz Cláudio de Andrade; 10ª CC, dj 17.6.2005);

Destarte, correta a sentença no que tange à exclusão de cobrança dos autores, ~Eveline Gertrudes de Almeida e Paulo Habit, em relação aos serviços de aquecimento de água por caldeira, gás, salão de festas, garagens e área de lazer, visto que, conforme resta comprovado na perícia realizadas, fls. 370439, e demonstrado pelo MM Juiz “a quo”, tais serviços e áreas não aproveitam à unidade dos autores, não por que os autores simplesmente não tenham interesse em tais serviços e áreas, mas porque pelas características do imóvel não atingem a loja de propriedade dos autores.”.

Agreguem-se também os seguintes excertos de julgamentos do STJ a propósito da questão:

“...a convenção condominial deve estar em sintonia com a Lei porque apesar da autonomia dos condôminos em autorregulamentar suas condutas, jamais poderão perder de vista a Lei, cuja obediência se impõe pelo princípio da supremacia da ordem pública sobre as deliberações privadas. A regra estabelecida no art. 1.340 do novo Código Civil atende ao princípio da equidade, evitando o enriquecimento indevido dos condôminos que se utilizam de serviços ou de partes comuns a diversos deles, em detrimento daqueles que não utilizam os referidos serviços e equipamentos comuns.” (STJ; REsp 1.704.578; Proc. 2015/0259888-9; PR; Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino; Julg. 9/3/2018).

A considerar a existência de disposição convencional, de modo a estabelecer o critério pela qual as despesas condominiais devem ser partilhadas, sua observância, por determinação legal, seria de rigor. Apesar disso, é de se destacar que, em princípio, nem tudo o que a convenção do condomínio estabelecer poderá fazer lei entre os condôminos, mormente se ela ferir o ordenamento jurídico e a lógica.” (STJ; AgInt-EDcl-AREsp 1.352.120; Proc. 2018/0217819-5; DF; 3ª. T.; Rel. Min. Moura Ribeiro; Julg. 1/6/2020)

            Ainda podem ser encontrados em pesquisa de jurisprudência julgados (como por exemplo o Processo 1673966-9, 9ª CC, TJPR) em que a convenção seja encarada como instrumento soberano para atribuição do compartilhamento das despensas condominiais. Além de se ater ao caso concreto, há, todavia, que se ter a prudência para se evitar o acobertamento da equidade e cometimento de injustiça, observando-se a análise da validade de instrumentos legais, como a convenção, no contexto maior da ordem jurídica em que se inserem consoante a interpretação apresentada nos julgados acima referidos.

Não se deve olvidar da própria estrutura física que distingue a unidade comercial no edifício de apartamentos residenciais para se verificarem quais os benefícios e responsabilidades no rateio das respectivas despesas. Desta forma, a normatividade contida na convenção não se transformará em instrumento de prevalecimento da maioria e causa de aproveitamento e enriquecimentos indevidos por responsabilizar a outrem que não usufrui, e, por vezes a quem nem são disponibilizados, benefícios como por exemplo de elevadores, e serviços prestados pelos empregados do condomínio que atendem exclusiva ou prioritariamente à ala residencial.

Assim, a norma legal inserida no art. 1.336,I “I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”, consoante doutrina e julgados acima expostos, só pode ser entendida quando lida juntamente com o explicitado no art. 1.340, do Código Civil, ”As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve”. Convenção esta, pois, que não pode sobrepujar o contexto jurídico, legal e constitucional em que se insere, pois não deve atribuir despesas relativas aos benefícios a loja térrea independente, com saída direta para a via pública que deles não faz uso, para que não seja causa de enriquecimento indevido.

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CLAUDIO ROZZA, Bacharel em Direito, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Ciências Econômicas, Especialização em Contabilidade Gerencial, Auditoria e Controladoria e em Direito Constitucional. Ex-professor e ex-auditor fiscal. Livros publicados: Processo Administrativo Disciplinar & Ampla Defesa; Processo Administrativo Disciplinar & Comissões sob Encomenda (Ed. Juruá). Advogado em Curitiba, Sócio da “Sinhori, Rozza & Krug Advogados Associados”. srk@srk.adv.br.

 

PUBLICADO: JUS NAVIGANDI:

ROZZA, Claudio. Reunião de condomínio: rateio de despesas comuns pela fração ideal da loja térrea?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6777, 20 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96039. Acesso em: 24 ago. 2023.

Artigo publicado na https://jus.com.br/artigos/96039

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